Campos Magnéticos
	A electricidade e o magnetismo são propriedades intrínsecas da matéria. Existiram sempre, mesmo antes do Homem as conhecer e de aprender a criar correntes eléctricas e a desenvolver toda a tecnologia que a electricidade nos tem vindo a proporcionar durante os últimos cem anos. Toda a matéria, incluindo, evidentemente, os seres vivos, é feita de átomos e estes têm como seus constituintes os electrões. São estas partículas as unidades fundamentais de electricidade. Quando um corpo está carregado electricamente o que queremos dizer é que tem um excesso ou um défice de electrões. No primeiro caso dizemos que está carregado negativamente e no segundo caso dizemos que está carregado positivamente. Se dois corpos nestas circunstâncias forem postos em contacto os electrões que estão em excesso num fluem para o que está em défice. Temos assim uma corrente eléctrica.
Todas as correntes eléctricas criam na região circundante um campo magnético, chamemos-lhe B. Como a teoria do electromagnetismo constitui um dos capítulos melhor conhecidos de toda a Física, é possível, sabendo a corrente que passa num condutor, calcular o valor do campo B. Assim para um cabo, percorrido por uma corrente de 600 A (1), à distância de 30 metros teremos um campo magnético de 4 µT. O campo B mede-se em tesla e µT significa micro-tesla, a milionésima parte do tesla. Será isto muito ou pouco? Esta é a primeira questão que se levanta, dado que, para a maioria das pessoas, estas unidades pouco dizem. Por outro lado, pequeno e grande são conceitos relativos. Um litro de água pode ser muito, se a tiver que beber toda de uma vez, mas é manifestamente pouco para tomar banho. Tentemos portanto encontrar um termo de referência. O nosso planeta, onde todos habitamos, tem um campo magnético. Com efeito, a Terra funciona como um gigantesco íman, cujo pólo norte (2) se situa algures no Canadá, no local com coordenadas 82º N, 114º W e cujo pólo sul está na região do globo diametralmente oposta. O valor do campo magnético Terrestre não é o mesmo em todos os locais, em média é de cerca de 50 µT. Em Lisboa o seu valor é cerca de 44 µT ao passo que em Londres é de cerca de 48 µT. Já temos aqui um primeiro termo de comparação. Um cidadão que em Lisboa viva a 30 metros daquela hipotética linha de alta tensão onde passa uma corrente de 600 A, está exposto a um acréscimo de 4 µT ao campo magnético natural, passando de 44 µT para 48 µT. Esta variação corresponde ao mesmo acréscimo a que ele ficaria exposto se fosse viver para Londres.
Talvez fosse oportuno recordar que o valor máximo medido na famosa linha de alta tensão, Fanhões Trajouce, foi de 2,5 µT! Contudo, devo referir que existe uma diferença fundamental entre o campo magnético da Terra e o que é produzido pela linha de alta tensão. O primeiro é praticamente independente do tempo, é constante no tempo, ao passo que o segundo varia com o tempo com uma frequência de 50 ciclos por segundo. Imagine o leitor que o campo magnético, num certo ponto do espaço, é representado por uma seta com um determinado tamanho. Este tamanho, cujo valor máximo são os tais 4 µT, varia periodicamente no tempo. Se num dado instante a seta tem o valor máximo e está virada para cima, ao fim de um duzentos avos do segundo o campo é nulo, passado o mesmo intervalo de tempo tem outra vez o valor máximo mas está a apontar para baixo, ao fim de outro intervalo de tempo igual volta a ser nulo e, finalmente, passados outros duzentos avos do segundo volta à posição inicial. Portanto demora um cinquenta avos do segundo para voltar ao valor inicial e durante esse período atingiu duas vezes o valor máximo e anulou-se duas vezes. Se fosse um objecto a rodar estaria a dar cinquenta voltas por segundo.
Será que esta variação temporal é importante? Vamos ver que sim. Na verdade, uma outra equação fundamental da Física permite-nos afirmar que quando o campo magnético varia com o tempo pode criar uma corrente eléctrica. Para sermos mais precisos consideremos que colocamos um fio circular com 10 cm de raio, num plano perpendicular a um campo B. Nessa situação, o campo eléctrico induzido, o tal que vai produzir uma corrente eléctrica, também varia com o tempo e o seu valor máximo é de 63 µV/m (3). Será desta ordem de grandeza o campo eléctrico, induzido no interior do corpo humano, pelo campo magnético da linha de alta tensão. Se o campo não variar no tempo, como é o caso do campo magnético terrestre, este efeito não existe.
Mais uma vez temos que averiguar se o valor obtido é grande ou pequeno. Vou responder a essa questão de duas maneiras. Vejamos a primeira. Anteriormente referi que a corrente induzida é consequência do campo que atravessa o anel ser variável no tempo. Na verdade simplifiquei o problema. O que é preciso que varie com o tempo é o produto do campo B pela área delimitada pelo fio. Quer isto dizer que podemos obter o mesmo efeito com um campo constante e variando aquela área. Assim é na verdade. Podemos então calcular qual seria o campo induzido no corpo humano para um indivíduo que corresse no campo magnético terrestre. Admitindo que correria ao longo do equador com uma velocidade de 1 metro por segundo experimentaria um campo eléctrico induzido da ordem de 32 µV/m. Como se vê um valor cerca de metade daquele que estimámos para o efeito da hipotética linha de transporte, 63 µV/m, e se o leitor quiser igualar este valor bastar-lhe-á correr a 7,2 quilómetros por hora. É claro que pode ir de bicicleta, a Física é a mesma!
O meu segundo argumento faz apelo ao conhecimento que temos sobre os campos eléctricos no interior do corpo humano devido ao próprio movimento da matéria. Grande parte do corpo humano é constituída por fluidos, água na sua maior parte. Num fluido as partículas que o constituem não estão paradas. Antes pelo contrário estão em movimento incessante, com uma certa velocidade média que é tanto maior quanto maior for a temperatura do corpo. Quando sopramos a sopa para a arrefecer o que fazemos é favorecer as moléculas de água com maior velocidade a abandonarem o prato. Deste modo baixamos a velocidade média das que ficam no prato e a sopa fica mais fria. Nos fluidos do corpo humano algumas das partículas são iões, têm carga eléctrica. Então, como consequência deste movimento desordenado é possível estimar valores para o campo eléctrico no interior do corpo da ordem de 20.000 µV/m. Temos portanto valores naturais mais de trezentas vezes superiores aos efeitos induzidos pelo campo magnético das linhas de transporte.
Descrevi, de uma forma resumida, os efeitos provocados pelo campo magnético criado pelas linhas de alta tensão. Têm efeito sobre o corpo humano? Sim. É este efeito significativo? Não. Quero ainda fazer um último comentário. Em Ciência não se mede um efeito zero. Ou se mede uma grandeza e se diz que o seu valor é x ou, quando não se detecta diz-se isso mesmo. Até à precisão que temos não medimos nada, isto é, o efeito é inferior a essa precisão. Por outro lado, a Ciência estuda o mundo que existe. Nunca pode provar que uma determinada coisa não existe. Pedir à Ciência que prove que não existem efeitos adversos sobre a saúde dos campos eléctricos e magnéticos é o mesmo que lhe pedir que prove a não existência de fadas. Se o leitor quiser acreditar em fadas nenhum cientista do mundo o vai demover. Foi para os outros, para os que não acreditam em fadas nem em bruxas, que escrevi estas linhas.
Augusto Barroso
(Presidente da SPF, 2007-2009)
(1) – A, símbolo de ampere, unidade de intensidade de corrente eléctrica.
(2) – Usualmente chama-se pólo norte magnético mas é fisicamente um pólo sul.
(3) – O campo eléctrico mede-se em V/m, volt por metro. Tal como anteriormente o prefixo µ significa micro, a milionésima parte.